Nathan Schafer

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Nathan Schafer

Estudante de jornalismo que preenche o orçamento da família com bicos na construção civil. Aprendeu [sic] a desenhar com o avô, Mordechai Schafer, um comerciante judeu. Mordechai é especialista em piadas que ninguém entende, arte praticada pelo neto com afinco.

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Quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Vinho novo em odres velhos

Excelentíssimo Interventor Astulfo Almeida Ferrera y Ferrera dos Santos Dutton,

Eu, Pedro Escrivão, escrevo-lhe esta missiva para dar-lhe ciência de um caso deveras singular que ocorre em nossa mui humilde circunscrição. Aos fatos, portanto:

Ezequiel da Silva é um pequeno agricultor que planta tomates com aparência de rabanetes. Uma vez degustados, porém, seus tomates — ou rabanetes — revelam-se beterrabas excelentes. É realmente intrigante e nos tem causado certa dor de cabeça. Não sabemos em que seção da fruteira assentar os ditos-cujos, e ainda mesmo de que maneira taxá-los — fruto, herbácea, raiz. Enquanto a solução não chega, optamos pelo que nos pareceu o arranjo mais adequado: taxamos triplamente os tomates-que-parecem-rabanetes-mas-que-são-excelentes-beterrabas. De início, Ezequiel da Silva fez um escarcéu; disse-nos que os preços eram impraticáveis, que o levaríamos a bancarrota, e que isso não se faz com um cidadão, onde já se viu cobrar três impostos para uma coisa só. Foi um happening, se me permite o anglicismo. Insatisfeito, reuniu estudantes secundaristas e, usando palavras que minha educação não permite reproduzir, maculando folha deveras alva como esta, que serve de suporte para meu relato epistolar, protestou. Protestou, sim! Ajuntou uma corja de estudantes secundaristas, amantes da poesia, do teatro, do vinho e da pederastia, e marcharam em frente à delegacia brandindo foices e martelos — como se alguma vez na vida estes secundaristas tivessem segurado em uma foice ou martelo para produzir algo para esta municipalidade.

Perdoe-me se perdi o fio da meada, ou se o parágrafo ficou grande demais. A mim, embora não almeje reproduzi-la, agrada-me a estrutura clássica: parágrafos e frases curtas. Enfim. Sejamos frugais, recomecemos:

Em resposta às descomposturas públicas de Ezequiel da Silva, tivemos de prendê-lo. Desfrutou dezoito dias de estadia conosco, em cárcere privado — o que parece-me pouco, aliás, visto o estado do chiqueiro a que ele costuma referir-se como casa. Paralelamente, os tomates-que-parecem-rabanetes-mas-que-são-excelentes-beterrabas, por conta do preço elevado, tornaram-se o xodó gastronômico da elite local — e, por conseguinte, do populacho. Ezequiel da Silva, agora um homem livre, acalmou os ânimos da juventude organizando uma pequena recepção de duas semanas em sua propriedade. Hoje, decorridas oito semanas, não creio que sequer recordem a motivação dos protestos.

Tornei-me sócio de Ezequiel e, após todo este breve esclarecimento, eis o motivo da carta:

Apesar de esforços hercúleos, e por questões infraestruturais, estamos impossibilitados de atender a demanda da região. Cogitamos, inclusive, expandir o negócio. Dispomos da acurácia e braço-forte de Ezequiel da Silva, de meu intelecto e tino comercial, mas nos falta o capital! Se, excelentíssimo interventor Astulfo Almeida Ferrera y Ferrera dos Santos Dutton, a proposta despertar-lhe interesse, podemos, inclusive, nos desfazer de Ezequiel da Silva. Tenho cá comigo algumas mudas que, por acaso, encontrei em um passeio noturno — padeço por possuir pulmões problemáticos e somente o sereno normaliza-me o respirar. Às vezes, no afã de sanar-me, chego a andar quilômetros sem perceber o quão distante estou de casa — o que explica minha constante presença na propriedade de Ezequiel da Silva, distada oito quilômetros em linha reta de meu lar.

Sem mais delongas e no aguardo,

Pedro Escrivão – Boa Vista do Cadeado, Rio Grande do Sul, Brazil.

21/02/1948

Post Scriptum: Ezequiel da Silva está ao meu lado, enquanto redijo.

Post Scriptum II: Ele é analfabeto!

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